Convidada pelo Cress-MG, a presidente da AASPTJ-SP, Elisabete
Borgianni, participou no último dia 16 de uma audiência pública para debater as
práticas de inquirição de crianças e adolescentes conhecidas popularmente por
Depoimento Sem Dano. A audiência ocorreu na Assembleia Legislativa mineira e
foi coordenada pelo presidente da Comissão de Participação Popular, deputado
André Quintão (PT).
O deputado abriu o evento falando
sobre a luta pela implantação das Varas Especializadas da Infância e Juventude
em Minas Gerais. “Em 2008, quando o Judiciário mandou a Lei de Organização
Judiciária, por solicitação do movimento da criança e do adolescente apresentei
uma emenda acrescentando na lei a criação da vara especializada”. E aproveitou
para fazer um esclarecimento: “Recebi muitas mensagens questionando porque eu
aprovei a lei do depoimento sem dano. Nosso compromisso foi com a criação da
vara que era uma reivindicação do movimento em defesa da criança e do
adolescente e não com esta metodologia”, expôs.
O presidente do Cress-MG, Leonardo David
Rosa, afirmou que “este debate é muito caro, não só em uma perspectiva de
garantir a autonomia profissional, mas também de garantir que o sistema de
garantia de direitos tenham condições objetivas de garantir a proteção integral
das crianças e dos adolescentes, principalmente os que são vitimas de abuso e
exploração sexual”. Para ele, “a principio estas salas de depoimentos sem dano
podem parecer uma característica interessante, só que há neste processo
aspectos fundamentais: primeiro a proteção integral dos direitos do usuário,
foco desta intervenção, a criança como um produtor de provas. Segundo, o juiz é
administrativamente o chefe do profissional e quando ele determina o que este
profissional vai dizer ele fere a autonomia profissional, que corre o risco de
um processo administrativo se não acatar a ordem”.
“Essa metodologia de inquirição da
criança e do adolescente é deveras problemática e traz para todos os que lutam
pelos direitos da infância e também pela salvaguarda das prerrogativas de
profissionais que atuam como peritos da Justiça ou como trabalhadores da saúde
ou da assistência social como nos Cras e nos Creas grandes motivos de
preocupação na sua implementação”, iniciou Elisabete. “Vimos há alguns anos o
CNJ emitir a problemática Resolução 33 a partir da qual vários tribunais se
sentiram incentivados a implantar as salas sem a menor preocupação em
compreender os riscos de revitimização para a criança quando sobre ela recai a
responsabilidade pela produção da prova e o total abuso das prerrogativas dos
profissionais assistentes sociais e psicólogos”, alegou.
Para ela, a Justiça deixou-se levar pelo
“populismo punitivo” e “medidas cosméticas” que nada trazem de efetiva proteção
à criança e aproveitou para lamentar a ausência de representantes do TJ-MG na
audiência publica. “Esta questão quando envolve abuso sexual de criança gera na
sociedade e em todos que trabalham nesta interface sentimentos os mais variados
e para a sociedade uma sanha punitiva muito grande, muitas vezes sem o processo
ter transitado em julgado com o risco inclusive de linchamentos como temos
visto hoje no Brasil. Então, todos nós que trabalhamos com isso, e não estou
falando só de juízes, promotores, nós assistentes sociais e psicólogos temos
que ter muito cuidado com isso”, relatou. Elisabete relatou alguns casos que
chegaram a conhecimento da AASPTJ-SP de juízes que solicitam aos profissionais
que façam perguntas descabidas e vexatórias para as crianças, além de casos de
crianças sendo inquiridas por quatro horas seguidas . “Assistentes sociais e
psicólogos não são inquiridores, nós temos que escutar esta criança, ouvi-la e
não inquiri-la”, afirmou. Terminou sua fala defendendo que esta forma de
inquirição é inconstitucional por se tratar de inovação probatória, que só
poderia ocorrer por meio de uma lei federal e não por uma recomendação do CNJ.
Para a representante do Ministério
Público, Andréa Mismotto Carelli, Coordenadora do
Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Infância e Juventude,
a questão está sendo analisada de forma corporativista. “Penso que este tema
relativo à oitiva de crianças e adolescentes é um dos mais polêmicos dentro do Direito
da criança e do adolescente e infelizmente este debate é um pouco contaminado
com defesa de classe”, disse. Para ela, com relação a este tema “temos que ser
mais sistema do que antagonismo e estou vendo que esta discussão está indo para
um lado muito negativo, muito corporativista”. Andrea esclareceu, no entanto,
que não estava lá falando em nome do Ministério Publico e que esta é apenas sua
opinião.
“Em minha opinião, não se pode
falar em metodologia, não existem metodologias, existem iniciativas, não existe
um método. Não acho que colocar uma criança em uma sala diferente seja uma
metodologia”, alegou a promotora. Ela apontou que, de acordo, com seu
conhecimento nas cidades de Belo Horizonte e Porto Alegre, cerca de 70% dos
casos de violência sexual contra crianças acontece em ambiente familiar,
cercado de sigilo e, muitas vezes, sem deixar vestígios. “Nem sempre o abuso
deixa máculas físicas, então não temos a força da perícia na hora de fazer a
acusação. Nesse caso, o depoimento da vítima acaba não podendo ser dispensado.
Mas acho que deve ser feito num outro espaço e acho que precisávamos mudar a
legislação para que a oitiva fosse, inclusive, feita pelo próprio juiz”,
concluiu.
Representando o CRP-MG, a
psicóloga Esther Arantes trouxe apontamentos a respeito do que está na
legislação internacional, especialmente a Convenção dos Direitos da Criança e
do Adolescente. “Não há um procedimento único adotado pelos diversos países
signatários da convenção. Não estamos obrigados a um modelo. A convenção não postula
a necessidade de a criança participar dos procedimentos administrativos e
jurídicos, mas apenas confere a ela o direito de expressar seus pontos de vista
e serem eles levados em consideração de acordo com sua idade e maturidade”,
pontuou. “Como respeitar o direito de participação da criança sem
coloca-la prematuramente em situação de responsabilidade que possam lhe causar
danos? A diferença entre a criança como dependente, requerendo proteção e como
indivíduo independente buscando autonomia é talvez a questão mais difícil e
controversa do direito internacional da criança” e para ela esta é a grande
questão que permeia as discussões sobre as salas de depoimento sem dano.
Ainda de acordo com a psicóloga
temos que pensar mais na defesa da criança e menos em responsabilização. “A
responsabilização a qualquer custo precisa ser evitada. Como que se passa de 3%
para 60% (citando índices do projeto de Depoimento Sem Dano instaurado no Rio
Grande do Sul)? As crianças que devem ser ouvidas ou quiserem ser ouvidas devem
estar cercadas por profissionais e se sentirem seguras a ponto de conseguirem
falar sobre o assunto. Se a criança se cala, deve-se respeitar o seu
silêncio", expôs.
Por fim, a presidente do Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Belo Horizonte, Márcia
Regina Alves, frisou a importância da criação do Centro Integrado de Defesa dos
Direitos da Criança e do Adolescente de Belo Horizonte. “Não é definitiva a
criação dessa sala, porque, apesar de estar prevista, nada saiu do papel até o
momento. O Depoimento Sem Dano ainda não foi objeto de nossa atenção. Depois
desse debate de hoje, vamos levar essa pauta e tudo o que fizermos será sempre
no sentido de garantir às crianças os seus direitos."
Ao final da audiência, após amplo
debate com o público presente, apresentaram-se alguns encaminhamentos, que
devem ser avaliados pela Comissão de Participação Popular: Retomada do Grupo de
Trabalho para debate da questão, envolvendo diversos setores da sociedade;
retirada da menção das salas de escuta de crianças do projeto de Minas Gerais e
elaboração de uma carta direcionada ao Conanda solicitando posicionamento
daquele órgão.
Autora: Ana Carolina Rios
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