quinta-feira, 9 de outubro de 2014
domingo, 24 de agosto de 2014
sábado, 23 de agosto de 2014
A quem compete produzir a prova?
Violência
sexual intrafamiliar praticada contra a criança: A quem compete produzir a
prova?
A
condição de sujeito de direitos é uma conquista recente da criança. A infância,
historicamente vista como objeto a serviço dos interesses dos adultos, a partir
do século XX, passa a ser compreendida como etapa do desenvolvimento humano.
Vários documentos internacionais alertam para a sua relevância, desencadeando a
revisão das legislações, condutas e procedimentos adotados com o intuito de
garantir direitos àqueles que ainda não atingiram dezoito anos. No Brasil, a
Constituição Federal de 1988, em consonância com a Convenção das Nações Unidas
sobre os Direitos da Criança, é o divisor de águas, seguida, em 1990, pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente. O princípio do interesse superior da
criança encontra seu fundamento no reconhecimento da peculiar condição de
pessoa humana em desenvolvimento atribuída à infância, valendo lembrar que
"os atributos da personalidade infanto-juvenil têm conteúdo distinto dos
da personalidade dos adultos", trazem uma carga maior de vulnerabilidade,
autorizando a quebra do princípio da igualdade; enquanto os primeiros estão em
fase de formação e desenvolvimento de suas potencialidades humanas, os segundos
estão na plenitude de suas forças.
A credibilidade do testemunho da criança vítima de abuso sexual no contexto judiciário
Resumo:
Violência sexual contra crianças não é um evento incomum; no entanto, há a
dificuldade de denúncia, pois, além do estabelecimento da relação de dominação
que o agressor exerce sobre a vítima, a maneira como tal fato é recebido pela
sociedade e como é encaminhado pelas instituições judiciárias responsáveis
também é determinante para as omissões. Inserida no universo dos
interrogatórios, muitas vezes, a criança causa confusão ao desmentir o que
havia falado antes, reforçando possíveis preconceitos em relação a si mesma. O
presente trabalho traz a análise das relações entre a infância e a instituição
judiciária, com principal enfoque no sistema de comunicação e de notificação
dos crimes sexuais contra a criança e as consequentes intervenções profissionais
que buscam a validação, ou não, de seu testemunho. Para tanto, foram
pesquisados 51 processos judiciais, dos quais foram selecionados dois casos
exemplares. Este trabalho evidencia a possibilidade de preservar a criança da
revitimização causada pela multiplicidade de interrogatórios, sem deixar de
cumprir as normas jurídicas necessárias. A fragilidade da palavra da criança
está na forma como é acolhida pelos adultos, desde a revelação na família até a
denúncia aos órgãos oficiais, revelando a urgência de alterações nos
procedimentos judiciais relacionados a essa problemática.
Palavras-chave:
Abuso da criança. Psicologia forense. Comunicação interpessoal. Representação
social.
As falsas memórias na reconstrução dos fatos pelas testemunhas no processo penal
RESUMO:
O
depoimento da testemunha resgata, na memória, a lembrança dos fatos ocorridos
no passado, objetivando dar conhecimento ao julgador sobre aquilo já percebido,
cumprindo uma função retrospectiva e recognitiva no processo penal. A
fragilidade da prova testemunhal revela-se na dependência da recordação dos
fatos, da memória da pessoa que os narra. O processo mnemônico não é fidedigno
à realidade e a lembrança pode estar contaminada pelas falsas memórias. Além de
uma boa aquisição e retenção da memória, é importante perceber, evitar e
eliminar as falhas no momento da recuperação da lembrança das testemunhas,
fontes de prova relevantes no processo penal.
PALAVRAS-CHAVES:
PROCESSO PENAL – PROVA TESTEMUNHAL – MEMÓRIA – FALSAS MEMÓRIAS.
Depoimento de crianças: um divisor de águas nos processos judiciais?
Resumo
No
artigo busca-se apresentar como os depoimentos de crianças vêm sendo
considerados na jurisprudência referente a processos que envolvem denúncias de
abuso sexual infantil. Para tanto, se analisou jurisprudência emitida por três tribunais
brasileiros no período de agosto de 2009 a março de 2010. Empregando-se a
análise de conteúdo para avaliar o material reunido, observou-se nos julgados
ampla solicitação e valoração do depoimento de crianças, justificado pelo fato de
as ocorrências de abuso sexual se darem sem outras testemunhas ou provas, além
da necessidade de combater a impunidade em crimes dessa natureza. Outras
alegações utilizadas foram: a presunção de veracidade atribuída à palavra da criança,
a solidez e a coerência dos relatos e a inexistência de motivos para a criança
acusar falsamente o réu. Conclui-se pela indicação de estudos
interdisciplinares para se avaliarem possíveis consequências de se eleger a
palavra da criança como a principal prova acusatória.
Palavras-chave:
Depoimento infantil; Inquirição infantil; Abuso sexual infantil; Psicologia
jurídica.
quinta-feira, 21 de agosto de 2014
A face “procedimental” do depoimento sem dano
O projeto do Depoimento
sem Dano nasceu em maio de 2003 perante a 2ª Vara da Infância e da
Juventude de Porto Alegre com o propósito de colher a oitiva das vítimas de
abuso sexual, crianças e adolescentes, retirando-as do ambiente formal da sala
de audiências e transferindo-as para uma sala projetada especialmente para que
seja a prova oral obtida “de forma mais tranqüila e profissional, em
ambiente mais receptivo, com a intervenção de técnicos previamente preparados
para tal tarefa […]”. Com efeito, dentre os alegados objetivos
almejados pelo projeto estão: (I) a redução do dano durante a
produção de provas em processos judiciais em que se têm crianças e adolescentes
como vítimas ou testemunhas e; (II) a garantia dos direitos da criança e do
adolescente, proteção e prevenção de seus direitos, bem como a garantia ao
respeito de sua condição de pessoa em desenvolvimento.(1)
quarta-feira, 20 de agosto de 2014
Depoimento especial ou perícia por equipe técnica interdisciplinar
Depoimento especial ou perícia por equipe técnica
interdisciplinar: Na busca da melhor alternativa para o atendimento de crianças e adolescentes
vítimas de violência.
O atendimento de crianças e
adolescentes vítimas de violência, abuso ou exploração sexual, sem dúvida,
representa uma das tarefas mais complexas e delicadas dentre todas as
desempenhadas pelos diversos integrantes do "Sistema de Garantias dos
Direitos da Criança e do Adolescente", que precisam ter o
máximo de cautela para, de um lado, com a urgência devida, colher os elementos
necessários à responsabilização dos agentes e, de outro, evitar que as vítimas
tenham violados seus direitos fundamentais à inviolabilidade da integridade física
e psíquica, à intimidade, à privacidade ou sejam expostas a situações
constrangedoras e/ou potencialmente traumáticas.
A visão da Defensoria Pública sobre o atendimento extrajudicial e judicial às crianças e aos adolescentes em situações de violência sexual
Diego Vale de Medeiros
Defensor Público e Coordenador do Núcleo Especializado da Infância e Juventude da Defensoria Pública de São Paulo
Defensor Público e Coordenador do Núcleo Especializado da Infância e Juventude da Defensoria Pública de São Paulo
1. CONSIDERAÇÕES
INICIAIS
O
presente estudo busca refletir sobre as tendências internacionais e nacionais
relacionadas ao atendimento especializado e adequado para crianças e
adolescentes em situações de violência sexual, suscitando o papel da Defensoria
Pública que, como prestadora de serviço público, deve priorizar integralmente
atenção às crianças, adolescentes e famílias em esfera extrajudicial e judicial
respeitando as especificidades e complexidades de cada caso.
Os termos “escuta”, “depoimento” ou “atendimento não revitimizante” ocupam
importante discussão na dimensão e compreensão de entender crianças e
adolescentes como sujeitos e destinatários diretos de qualquer decisão, dentro
ou fora do judiciário, vindoura de intervenção em suas vidas. Desta forma,
obriga-nos a reafirmar o compromisso de todos no pensar contínuo sobre a
formação e humanização na rede de atendimento capaz de promover tecnicamente a
proteção e cuidado, reconhecendo-se a incompletude institucional e a necessária
integração entre todos os atores sociais do sistema público de defesa da
infância e adolescência.
segunda-feira, 18 de agosto de 2014
Mediante quais práticas a Psicologia e o Direito pretendem discutir a relação? Anotações sobre o mal-estar[1]
Ester Maria de
Magalhães Arantes[2]
“- O que vem a ser a Psicologia?
Para que ela serve?” Ante a nossa
confusão, perplexidade e demora, Cláudio Ulpiano nos disse: “- Depende das
forças que se apoderam dela! Coloquem suas forças em batalha para produzirem
uma Psicologia afirmativa”.
Adilson Dias Bastos
Sobre o tema do debate de hoje, “Psicologia e
Direito: um encontro possível?” eu gostaria de refletir sobre algumas
preocupações que tenho com esse encontro. Que encontro é esse? O que se
pretende encontrar, quando se fala em Direito e Psicologia? A Psicologia deseja
encontrar qual Direito?
Sérgio Verani
I.
Introdução
Partindo
da constatação de um certo mal-estar existente entre os psicólogos que atuam no
âmbito do judiciário e que tem sido objeto de frequentes problematizações nos
Encontros dos Psicólogos Jurídicos no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro[3], como pensar a relação entre psicologia e direito? Levando-se em
conta a diversidade de situações e demandas apresentados no campo social[4],
que parece ampliar-se na proporção da judicialização das relações sociais, a
tarefa não é nada simples. Assim, vamos encontrar o psicólogo atuando junto a
crianças, adolescentes e famílias nos Conselhos Tutelares, Abrigos, Sistema
Sócio-Educativo, Varas da Infância e Juventude, Varas da Família, dentre
outros, como também junto aos adultos nas demais Varas e estabelecimentos
prisionais. Por outro lado, em que pese este leque de situações, sua atuação
predominante continua sendo a confecção de laudos, pareceres e relatórios, no
pressuposto de que cabe ao psicólogo, nesta interface, uma atividade
basicamente avaliativa e de subsídios aos magistrados.
Presidente da AASPTJ-SP fala sobre Depoimento Sem Dano em audiência publica de Minas Gerais
Convidada pelo Cress-MG, a presidente da AASPTJ-SP, Elisabete
Borgianni, participou no último dia 16 de uma audiência pública para debater as
práticas de inquirição de crianças e adolescentes conhecidas popularmente por
Depoimento Sem Dano. A audiência ocorreu na Assembleia Legislativa mineira e
foi coordenada pelo presidente da Comissão de Participação Popular, deputado
André Quintão (PT).
O deputado abriu o evento falando
sobre a luta pela implantação das Varas Especializadas da Infância e Juventude
em Minas Gerais. “Em 2008, quando o Judiciário mandou a Lei de Organização
Judiciária, por solicitação do movimento da criança e do adolescente apresentei
uma emenda acrescentando na lei a criação da vara especializada”. E aproveitou
para fazer um esclarecimento: “Recebi muitas mensagens questionando porque eu
aprovei a lei do depoimento sem dano. Nosso compromisso foi com a criação da
vara que era uma reivindicação do movimento em defesa da criança e do
adolescente e não com esta metodologia”, expôs.
A busca do mito da verdade real justifica a vitimização secundária de vítima vulnerável da violência sexual?
A violência representa
uma das maiores ameaças à humanidade, fazendo-se presente em todas as fases da
História da civilização humana. Pode-se dizer que a violência é parte
significativa do cotidiano, retratando a trajetória humana através dos tempos,
e que é intrínseca à existência da própria civilização. Como parte desse
fenômeno, e inserida num contexto histórico-social e com raízes culturais,
encontra-se a violência familiar (violência
conjugal, maus-tratos infantis, abuso sexual intrafamiliar etc.), que é um
fenômeno complexo e multifacetado, atingindo todas as classes sociais e todos
os níveis socioeducativos: apresenta diversas formas como, por exemplo,
maus-tratos físicos, psicológicos, abuso sexual, abandono e negligência na
educação e formação de crianças e adolescentes etc.
Destacamos, em especial,
o abuso sexual infantojuvenil
intrafamiliar como
uma das mais graves formas de violência, pois lesa os direitos fundamentais das
crianças e adolescentes, apresentando contornos de durabilidade e
habitualidade; trata-se, portanto, de um crime que deixa mais do que marcas
físicas, atingindo a própria alma das pequenas vítimas. Consiste na utilização
de uma criança ou adolescente para satisfação dos desejos sexuais de um adulto
que sobre ela tem uma relação de autoridade ou responsabilidade socioafetiva. A
origem do abuso sexual intrafamiliar transcende as fronteiras das culturas e
tem seus precedentes nos primórdios da civilização humana.
O "depoimento sem dano" e a "romeo and juliet law". Uma reflexão em face da atribuição da autoria de delitos sexuais por adolescentes e a nova redação do art. 217 do CP
Quando se trata de atribuição da autoria de um delito sexual
contra criança ou adolescente (um estupro, por exemplo) e a amplíssima gama de
condutas que sua nova tipologia encerra após a reforma do art. 213 do Código
Penal, o sistema de justiça que naturalmente se inquieta, de uma forma que
somente a Freud compete, ainda mais desconfortado fica.
Em se tratando de delito dessa natureza, cuja autoria é
apontada na direção de um adolescente, a inquietação não é menor, e será ainda
maior sendo a suposta vítima criança ou adolescente.
domingo, 17 de agosto de 2014
sábado, 16 de agosto de 2014
1. CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA
Surgido no Rio Grande do Sul, no ano de 2003, o método conhecido como “Depoimento Sem Dano” (DSD) tem por finalidade, nas palavras de José Antônio Daltoé Cezar, realizar os depoimentos de crianças “de forma mais tranquila e profissional, em ambiente mais receptivo, com a intervenção de técnicos previamente preparados para tal tarefa, evitando-se, assim, não só perguntas impertinentes e desconectadas do objeto do processo, mas principalmente que não respeitem as condições pessoais do depoente[1]”.
Em outros termos, busca-se evitar a revitimização da criança que tenha sofrido algum tipo de violência – em grande parte dos casos, abuso sexual intrafamiliar. E, com o passar dos anos, tal método tem se expandido por todo o país (com nomenclaturas diversas, como em São Paulo, cujo projeto é denominado “Atendimento não revitimizante de crianças e adolescentes vítimas de violência”), tendo sido aconselhada, pelo Conselho Nacional de Justiça, a criação de “serviços especializados para escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência nos processos judiciais” por meio da Recomendação n. 33/2010 do referido órgão.
No entanto, apesar de ser nobre a intenção de seus idealizadores e do amplo apoio e utilização alcançados por todo o país, esse procedimento vem causando grande divergência entre os estudiosos que se debruçam sobre os direitos das crianças e adolescentes.
Os Conselhos Federais de Psicologia e de Serviço Social, por exemplo, posicionaram-se contrariamente ao método do DSD, mediante as resoluções nº 010/2010 e nº 554/2009, respectivamente. Em tais documentos, os aludidos órgãos vedam expressamente a participação de seus membros na inquirição de crianças por meio do método do DSD, fundamentando-se, principalmente, no fato de não ser atribuição das respectivas carreiras a atuação como “intérprete” do magistrado em processo judicial.
Nesse contexto, foram ajuizadas diversas ações judiciais a fim de suspender a eficácia das referidas resoluções. Dentre as mais significativas, destacam-se duas ações civis públicas, nas quais foram proferidas decisões de procedência do pedido.
O Ministério Público Federal, em conjunto com o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, propôs a ação civil pública nº 0008692-96.2012.4.02.5101, visando obter a suspensão da resolução nº 010/2010 do Conselho Federal de Psicologia. Em 24 de março de 2014, o juiz federal titular da 28ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro proferiu sentença pela qual julgou procedente o pedido para determinar a suspensão da mencionada resolução em todo o território nacional.
A Justiça Federal do Estado do Ceará, por sua vez, julgando a ação civil pública nº 0004766-50.2012.4.05.8100, ajuizada pelo Ministério Público Federal, decretou a invalidade absoluta de ambas as resoluções em todo o território nacional, por vício de nulidade insanável, uma vez que os Conselhos em voga não poderiam limitar a atuação dos profissionais que lhes sejam vinculados no que tange ao método do DSD.
Hoje, portanto, diante das ditas decisões judiciais, as aludidas resoluções não estão em vigor, apesar de prosseguirem ambos os processos. No entanto, a discussão vai muito além das atribuições dos profissionais da área da Psicologia e do Serviço Social.
2. ARGUMENTOS DOS QUE DEFENDEM O DSD
2. ARGUMENTOS DOS QUE DEFENDEM O DSD
O primeiro argumento levantado em defesa do depoimento sem dano é justamente o fato de ser – supostamente – sem dano à criança que tenha sido vítima de violência e que será ouvida judicialmente.
Os defensores do método sustentam que os operadores do Direito envolvidos com o procedimento tradicional de inquirição de testemunhas não têm a sensibilidade necessária para colher depoimentos de crianças sem reavivar os traumas decorrentes da violência sofrida.
Por conta disso, seria necessário levar a criança-vítima à uma sala especialmente montada para sua inquirição, com objetos e mobília condizentes com sua idade, onde poderia ser colhido o seu depoimento. O profissional responsável pela “conversa” – psicólogo ou assistente social – deveria “traduzir” as perguntas que lhe transmitir o juiz, o qual estará em outra sala, junto com as partes, assistindo ao depoimento.
Além disso, o método do DSD determina a gravação do depoimento para que sejam documentados visualmente “os gestos e expressões faciais que acompanham os enunciados verbais das crianças[2]”. Ou seja, com a gravação em vídeo do depoimento, se evitaria, ainda, a reinquirição da vítima, o que colaboraria para a sua não-revitimização.
Ademais, afirma Jadir Cerqueira de Souza que “serão reduzidas as sentenças absolutórias e a eventual impunidade, especialmente nos crimes contra a dignidade sexual, pois as vítimas sentir-se-ão encorajadas a falar a verdade[3]”. Ou seja, aponta-se como ponto favorável ao DSD o fato de facilitar a produção da prova e diminuir a impunidade, ou, em outras palavras, pode-se dizer que a utilização do procedimento em debate tem servido para aumentar o número de condenações nos casos de abuso sexual infantil.
Muitos indicam, ainda, que deve ser respeitado o direito à fala garantido às crianças e adolescentes, sendo mencionados o artigo 12 da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989), os artigos 16 e 28 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal 8.069/90) e, até mesmo, o artigo 227 da Constituição Federal (1988) como fundamento.
Nesse sentido, a utilização do método do DSD seria a maneira mais adequada para dar concretude ao direito de a criança ser ouvida sem que isso lhe cause mais sofrimento, isto é, evitando-se a revitimização que poderia ocorrer pelo método tradicional de inquirição de testemunhas.
3. CRÍTICAS AO MÉTODO DSD
Junto à expansão da utilização do DSD pelo país, vieram as críticas sobre o procedimento. Como já adiantado, os primeiros a levantarem suas objeções quanto ao assunto foram o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS).
Ambos os órgãos entendem que o papel destinado aos profissionais de suas classes não corresponde às atribuições e funções das respectivas carreiras, tampouco se coaduna com os preceitos do Código de Ética de tais profissões.
Isso porque, ao se destinar a função de “intermediador”, “facilitador”, ou “intérprete” na relação entre o magistrado e a criança aos psicólogos e assistentes sociais, está sendo desrespeitada a autonomia dessas profissões. Questiona, nessa esteira, Maria Regina Fay Azambuja se “estaria entre as atribuições do assistente social, do psicólogo, dar outra voz, dar um tom maternal às perguntas vindas da autoridade judicial? Será que o Serviço Social e a Psicologia não disporiam de outras ferramentas para auxiliar as práticas judiciárias no que se refere ao atendimento à infância, sustentadas nos princípios éticos norteadores de sua práxis?[4]”.
Reforça o posicionamento dos aludidos órgãos a diferença existente entre a escuta e a inquirição da criança ou adolescente. A inquirição, realizada, ainda que mediante o método do DSD, em uma audiência, não é exatamente o mesmo que uma entrevista, uma consulta ou um atendimento psicológico, em que a escuta do psicólogo é orientada pelas demandas e pelos desejos da criança, e não pelas necessidades do processo, sendo resguardado o sigilo profissional[5].
Além disso, não há como se assegurar que o método em questão seja, efetivamente, “sem danos” à criança. O fato de se ter uma sala equipada de acordo com a idade da vítima e utilizar-se de psicólogos e assistentes sociais para a sua inquirição não evita a exposição da criança ao reavivamento do trauma.
A maneira como o método é desenvolvido demonstra claramente a sua vocação para a punição do suposto abusador em detrimento dos direitos da criança, ao se proceder a uma única audiência, na qual se extrairá a suposta “verdade” da vítima, sem que esta tenha condições de optar por não realizar o depoimento.
Uma abordagem que realmente colocasse a criança-vítima em condição de sujeito de direitos determinaria o acompanhamento psicológico da vítima e não a mera oitiva em uma audiência judicial. Isso porque o relato do trauma só é benéfico em ambiente terapêutico, na presença de uma pessoa com a qual já se fez um vínculo, e que vai seguir acompanhando e colaborando na cicatrização da ferida[6].
Como aponta Iolete Ribeiro da Silva, “Não se pode afirmar que uma intervenção descontextualizada, sem continuidade, sem acompanhamento prévio e posterior, não possa causar danos e sofrimentos. Aqui, vemos a priorização da busca de uma condenação a qualquer preço, colocando a criança e o adolescente em um lugar de objeto; vemos a mera criminalização, confundindo-se com a lei e com a Justiça, sobrepondo-se aos direitos do sujeito, no caso, crianças e adolescentes, e a seus sofrimentos.”
Devemos observar, ainda, que grande parte das denúncias de abuso sexual infantil tem como suposto agressor algum familiar muito próximo à criança. Isso quer dizer que o seu depoimento pode acarretar sérias consequências, como a prisão de tal familiar; a perda do apoio de sua mãe, quando esta for conivente com o abusador; ou, ainda, o seu encaminhamento a um programa de acolhimento institucional pela prisão dos pais e consequente denúncia de abandono. E aí está o perigo em simplesmente realizar a oitiva da criança sem que ela esteja apta a conhecer as implicações que advirão de seu depoimento.
Diante disso, Azambuja questiona se “é possível, à luz da Doutrina da Proteção Integral, fazer recair sobre a criança, considerada pela lei pessoa em fase especial de desenvolvimento, a responsabilidade pela produção de prova, como se fazia antes da Vigência da Constituição Federal de 1988? A Doutrina da proteção integral legitima a prática de inquirir a criança, em especial, quando não há vestígios físicos, ciente das consequências que suas declarações acarretarão ao abusador e ao grupo familiar? Essa situação valoriza a criança, como sujeito de direito, ou a expõe a mais uma violência?”[7]
Certamente, como resta claro, com a oitiva da criança a qualquer custo, valoriza-se a produção de prova em detrimento de sua condição de sujeito de direitos, o que não se pode admitir diante da Doutrina da Proteção Integral.
Não se sustentaria, ainda, o argumento de que o método do DSD seria a implementação do direito à fala garantido às crianças, previsto pelos diplomas já citados. Isso porque, da maneira como o procedimento é estabelecido, a criança tem verdadeira obrigação de prestar o depoimento. A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança prevê que a esta será garantida a possibilidade de expressar suas opiniões. Isso não quer dizer que seja viável exigir da criança, em face de sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, judicial ou extrajudicialmente, o relato de situação extremamente traumática, como um eventual caso de abuso sexual intrafamiliar. Dever-se-ia garantir a faculdade em depor, nunca obriga-la a tanto.
Deve-se levar em consideração, também, ao se tratar da escuta judicial de crianças, a alta possibilidade de ocorrência do fenômeno conhecido como “falsa memória”, o qual, em suma, pode ser definido como a lembrança, sincera, de fato que não ocorreu.
As crianças, historicamente, estão expostas a maior sugestionabilidade. Aury Lopes Jr. pontua que “a obtenção de informações precisas de crianças é uma tarefa bastante árdua, tendo em vista que 1) as crianças não estão acostumadas a fornecer narrativas elaboradas sobre suas experiências; 2) a passagem do tempo dificulta a recordação dos eventos; e 3) pode ser muito difícil reportar informações sobre eventos que causam estresse, vergonha ou dor”.[8]
Uma alternativa a esse método de inquirição poderia ser o acompanhamento psicológico às crianças que tenham sofrido qualquer tipo de violência – sempre facultativo –, para que seja possível a minimização dos danos decorrentes do abuso, e, a partir daí, após meses de acompanhamento, ao psicólogo poderiam ser elaborados quesitos sobre a percepção que este profissional teve acerca da situação vivida pela criança. Após, apresentar-se-ia laudo pericial em juízo, que é meio de prova previsto no Código de Processo Penal, passível de discussão em meio ao contraditório, onde o juiz poderia fundamentar o seu “livre convencimento”.
4. DEMAIS CONSIDERAÇÕES
O método do DSD, como dito, dá especial valor à produção de prova, por vezes negligenciando a condição de sujeito de direitos que deve ser garantida às crianças, muito embora se utilize, justamente o discurso de maior proteção à criança quando da extração da “verdade”. Talvez, se comparado o DSD com uma inquirição grosseira praticada pelo magistrado, preferir-se-ia o DSD por ser menos violento, mas isso não significa que tal opção seria melhor só porque causaria menos danos. Optar pelo DSD necessariamente porque a inquirição judicial pode ser demais agressiva é não considerar uma gama de outras possibilidades, inclusive a de que a criança poderia muito bem optar por não querer depor. Eis a posição, por exemplo, de vítimas adultas que podem muito bem se recusar, como vítimas, de comparecer a juízo para ter que se submeter a essa revitimação.
Devemos privilegiar a condição da criança, já vitimizada pela violência perpetrada, a fim de ampará-la no que for possível e necessário, deixando para segundo plano a punição do abusador, caso isso possa implicar em intervenções indevidas e indesejadas a revitimizar a vítima. A prioridade deve ser sempre a proteção integral da criança e, infelizmente, não nos parece que isso ocorra com a aplicação do método do DSD.
5. REFERÊNCIAS
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- AZAMBUJA, Maria Regina Fay. Inquirição da criança vítima de violência sexual: proteção ou violação de direitos? Livraria do Advogado. Porto Alegre, 2011.
- _________, Violência sexual intrafamiliar praticada contra a criança: A quem compete produzir a prova? Agosto de 2014. Disponível em: http://www.crianca.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1449
- BRITO, Leila; AYRES, Lygia; AMENDOLA, Marcia. A escuta de crianças no sistema de Justiça. Psicologia & Socidade. Vol. 18. n. 3. Porto Alegre, Sep/Dez 2006.
- BRITO, Leila; PEREIRA, Joyce Barros. Depoimento de crianças: um divisor de águas nos processos judiciais? Psico-USF, Bragança Paulista, v. 17, n. 2, p. 285-293, mai./ago. 2012.
- BRITO, Leila Maria Torraca; PARENTE, Daniela Coelho. Inquirição Judicial De Crianças: Pontos e Contrapontos.
- CAMARGO, Rodrigo Oliveira de. A face procedimental do depoimento sem dano. Boletim IBCCRIM. n. 227, v. 19, 2011. 10-11
- CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. A escuta de crianças e adolescentes envolvidos em situação de violência e a rede de proteção. Conselho Federal de Psicologia. Brasília: CFP, 2010.
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- DIGIÁCOMO, Murillo José. Consulta: Depoimento Especial - Crianças vítimas de violência. Agosto de 2014. Disponível em: http://www.crianca.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1458
- FERREIRA, Maria Helena Mariante. Primum Non Noscere. Violência sexual e escuta judicial de crianças e adolescentes: a proteção de direitos segundo especialistas – São Paulo – AASPTJ-SP – 1ª ed. 2012.
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- ___________, Escuta de crianças vítimas de abuso sexual no âmbito jurídico: uma revisão crítica da literatura. Agosto de 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/paideia/v18n40/05.pdf
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- SOUZA, Bernardo de Azevedo e. O fenômeno das falsas memórias e sua relação com o processo penal. Revista Síntese. Ano XI. nº 72. Fev/mar 2012.
- SOUZA, Jadir Cirqueira de. A implantação do depoimento sem dano no sistema judicial brasileiro. MPMG Jurídico, Belo Horizonte, n.23.
[1] CEZAR, José Antônio Daltoé. A Escuta de Crianças e Adolescentes em Juízo. Uma Questão Legal ou um Exercício de Direitos? In: POTTER, Luciana (organizadora). Depoimento Sem Dano: Um Política Criminal de Redução de Danos. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2010. p. 77/78.
[2] Idem. p. 78.
[3] SOUZA, Jadir Cirqueira de. A implantação do depoimento sem dano no sistema judicial brasileiro. MPMG Jurídico, Belo Horizonte, n.23, p.49-57, 2012.
[4] AZAMBUJA, Maria Regina Fay. A inquirição da criança e do adolescente no âmbito do Judiciário. In: A escuta de crianças e adolescentes envolvidos em situação de violência e a rede de proteção. Conselho Federal de Psicologia. Brasília: CFP, 2010.
[5] SILVA, Iolete Ribeiro da. Posicionamento do Sistema Conselhos de Psicologia sobre a inquirição de crianças e de adolescentes – limites e possibilidades. A escuta de crianças e adolescentes envolvidos em situação de violência e a rede de proteção. Conselho Federal de Psicologia. Brasília: CFP, 2010.
[6] FERREIRA, Maria Helena Mariante. Primum Non Noscere. Violência sexual e escuta judicial de crianças e adolescentes: a proteção de direitos segundo especialistas – São Paulo – AASPTJ-SP – 1ª ed. 2012.
[7] AZAMBUJA, Maria Regina Fay. Inquirição da criança vítima de violência sexual: proteção ou violação de direitos? Livraria do Advogado. Porto Alegre, 2011. p. 168/169
[8] LOPES JUNIOR, Aury; GESU, Cristina Carla di. Falsas memórias e prova testemunhal no processo penal: em busca da redução de danos. Revista de estudos criminais – ano VII – 2007 – nº 25.
Texto escrito por: Diego Vitelli - Pesquisador
domingo, 10 de agosto de 2014
Prova penal e falsas memórias: em busca da redução de danos
1. Introdução: a função persuasiva da
prova penal
O processo penal é uma máquina
retrospectiva, onde, através do seu ritual, busca-se desenvolver uma atividade recognitiva(1)
dirigida ao julgador. A atividade processual gira em torno da busca pelo
convencimento do julgador. Trata-se da função persuasiva da
prova, de que fala Tarufo(2), no intuito de obter a captura
psíquica do juiz (Cordero). É ingenuidade seguir falando em “verdade
processual” ou, mais grave ainda, falar-se na (absurda) verdade real(3), cuja
única “realidade” é a de fundar um sistema inquisitório.
A inquirição da vítima de violência sexual intrafamiliar à luz do superior interesse da criança
Maria Regina Fay de Azambuja
Procuradora de Justiça integrante do Ministério Público do Rio
Grande do Sul

“Nenhuma criança será objeto de
qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos
seus direitos fundamentais”.
Artigo 5º Estatuto da Criança e do Adolescente
Resumo: A
ordem constitucional brasileira, garantidora do princípio da dignidade humana e
do Doutrina da Proteção Integral à criança, estatuída em 1988, passa a exigir a
revisão de muitas práticas consolidadas ao longo do tempo, embasadas no não reconhecimento
de direitos à população infanto-juvenil. O Superior Interesse da Criança
rechaça a velha prática de inquirir a vítima de violência sexual intrafamiliar
em face das consequências nefastas que acarreta ao desenvolvimento físico,
social e psíquico da criança, considerada, pela lei, pessoa em fase especial de
desenvolvimento. O trabalho interdisciplinar, na atualidade, assume maior
relevância na garantia dos direitos assegurados à criança, permitindo
investigar o dano que a violência sexual intrafamiliar causa no aparelho
psíquico da criança, liberando-a da reedição do trauma sempre que é chamada a
prestar depoimento e produzir prova da autoria e materialidade da violência
sexual sofrida.
domingo, 3 de agosto de 2014
Entrevista com Alexandre Morais da Rosa, juiz de Direito de Santa Catarina, doutor em Direito e professor do Programa de Mestrado e Doutorado da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI - SC)
Que formas pode assumir a escuta de crianças e adolescentes no
Sistema de
Justiça?
A escuta pode assumir diversas formas. O que se dá, de regra, é
que se confunde o direito de falar com o dever de falar, e surgem
mecanismos aparentemente mais brandos, os quais, sob a alegação de diminuir a
violência, no fundo servem como mecanismo paliativo de desencargo, como
diria Jacinto Coutinho, ou seja, "terceiriza-se"o trabalho sujo para
um técnico, como acontece no Depoimento sem Dano. A escuta precisa se dar
por profissionais capacitados e que aceitem o exercício da violência própria da
palavra. Mas o que se deve perguntar, de fato, é: justifica-se, mesmo, que
a criança e o adolescente sejam ouvidos judicialmente? A resposta é: nem
sempre.
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